sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Carnaval e concentração de renda

Uma das nossas grandes alegrias é acompanhar o desfile das Escolas de Samba no Carnaval. É uma festa construída com entrega, dedicação e criatividade popular. Cada fantasia, cada voz que nos faz chegar o samba enredo, cada som extraído da cuíca, do pandeiro ou do surdo, tem lá a mão de um homem ou de uma mulher do povo.
Gente que trabalhou o ano inteiro para ao longo do desfile, que tem que durar um tempo mínimo de 62 minutos e nunca ultrapassar 82 minutos, mostra toda sua arte e alegria na avenida.
Uma das principais avaliações que os jurados são obrigados a fazer do desfile é o Conjunto, que corresponde à forma geral integrada com a qual a escola se apresenta. Devem ser considerados a uniformidade com que a escola se apresenta nas diversas formas de expressão – musical, dramática, visual, etc – e o equilíbrio artístico do conjunto.
Mesmo sendo brasileiros e vivendo num brasil tão desigual a gente, no Carnaval, dá uma lição de conjunto que nossas classes dominantes ainda não aprenderam a reproduzir em nossas vivências sociais e econômicas.
Se o desfile das escolas de samba reproduzissem nossa realidade econômica, que de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que 10% da população mais rica do Brasil detêm 75,4% de todas as riquezas do país, concentraríamos no abre alas 250 componentes, ou seja, 10% dos 2,5 mil componentes obrigatórios para garantir que uma escola possa desfilar na avenida.
Seria, em consequência, uma escola cheia de buracos. A bateria teria sua elite desgarrada do conjunto. As baianas seriam formadas em função das mais ricas e milionárias concentradas num pequeno núcleo, enquanto as mais pobres seriam mantidas afastadas por cordão de isolamento, como se fossem baianas da periferia.
O mesmo valeria para as alegorias e adereços, que são os elementos cenográficos que estejam sobre rodas e não estejam sobre rodas, respectivamente. Se fosse repetida a concentração de renda brasileira teríamos os bacanas com alegorias de última geração, claro que desfilando sobre rodas. Enquanto que no chão viria a ralé que, como nós, trabalha de sol a sol, com um salário sempre constrangedor.
Ou seja, a concentração de renda e de poder não ajudaria a termos o melhor carnaval do mundo. E mesmo assim, entra ano e sai ano, e vamos para a avenida dar uma lição de harmonia, de competência e de criatividade que depois, na quarta-feira de cinzas, quando voltamos para as fábricas, os escritórios e lojas encaramos de frente a desarmonia em nossa vida econômica e social.
E somos obrigados a conviver num Brasil tão lindo, tão rico e, ao mesmo tempo, tão vergonhosamente desigual.
Cícero Martinha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá

Nenhum comentário:

Postar um comentário